("Ilusion" - Marisa Monte e Julieta Venegas)
À primeira vista parecia o céu.
De um azul profundo, nuvens esparsas, imensidão. Olho para baixo contemplo a
vista. Embevecido, entorpecido. Como muitas e muitas vezes antes, penso em
mergulhar de cabeça. Penso em fechar os olhos e me atirar. Penso em seguir meu
primeiro impulso, dar-me um pequeno impulso, e pronto. Braços abertos, peito
aberto, coração aberto. Sem medo, sem pestanejar.
O céu refletido na água
impressiona. Como um espelho, liso, perfeito. Convidativo. Chamando-me,
chamando-me, chamando-me. Seduzindo. Implorando. Perturbando. Olho mais uma vez
para baixo. Penso em seguir. Todo o meu corpo, todo o meu ser clama por esse
mergulho. Cada fibra de mim, cada célula, cada neurônio. Inebriado, nem penso
em resistir. Resistir pra quê? Afinal, a vida é curta e temos que aproveitar.
Cada momento é único, temos que vivê-los intensamente.
Ir ou não ir, eis a questão.
Saltar, e não pular, como bom paraquedista que sou. E, saltando, ir de braços
abertos, esticados, sem medo. Mais e mais o azul do céu, refletido, me chama.
Como um marinheiro seduzido pelo canto das sereias. Forçado, ainda que de bom
grado, a obedecer ao chamado. Mergulhando assim, de cabeça, sem se preocupar
com eventuais perigos. Sem hesitar...
... e, no entanto, hesito. Não
salto, não solto, não vou. Não me permito ir. Não por vontade própria, afinal
minha vontade já foi há muito suplantada. Não por algum medo qualquer, afinal o
que inebria meus sentidos já se encarregou de me fazer ignorá-lo. Não por
vontade de outrem, afinal estou só, completa e totalmente só. Por mais incrível
que possa parecer.
Indeciso, sento-me à beira do
penhasco. Acima, o céu azul. Abaixo, o céu azul. Fecho meus olhos, respiro cada
vez mais fundo, cada vez mais compassadamente. Uma calma e tranqüila música
invade minha mente, e permito que ela devaneie.
Súbito, a dor! Pontadas, apertos,
dores. As cicatrizes reaparecem, incham, inflamam. Como que tentando me fazer
lembrar. Como que tentando me avisar. E bem lá no fundo, dos recônditos de
minha mente, ouço as vozes me avisando para, dessa vez, ir devagar. Não tenha
pressa, não se desespere, tenha paciência. Cada coisa a seu tempo, cada ato e
cada cena devida e corretamente encenada.
Paciência!
Atiro então uma pequena pedra na
água. Lentamente o desenho se desfaz. E o céu, antes liso e limpo, agora
ondulado e distorcido. Respiro fundo. De novo. Mais uma vez. Novamente. Calma e
tranquilamente desço do penhasco. Lenta e equilibradamente, pé ante pé, adentro
a água. Lago profundo? Espelho d’água? Aos poucos, com a calma e da maneira
correta, irei descobrir. Curtindo cada passo, cada conquista, cada sorriso.
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