(Porque meus dedos começaram e não terminaram, vou deixar aqui descansando e reler depois. Quem sabe consigo terminar?)
Olhos. Sempre os olhos. Olhos,
olhar. Olhos em sua forma, olhos em sua expressão. A primeira coisa que lhe
chamava a atenção nas outras pessoas eram os olhos. Não só pela cor, não só
pelo formato. Não apenas pelo brilho ou não-brilho. Por isso odiava óculos
escuros.
Através dos olhos é que o mundo
lhe invadia a vida. O mundo exterior, assustador, envolvente, frio. Acordava
sempre antes do Sol, não importava o dia do mês ou da semana. Dormia menos, é
lógico, durante os longos e tenebrosos verões. Como um vampiro às avessas, só
que diferente. Durante o horário de verão era pior, pois ainda não havia
encontrado o botão para regular seu relógio interno.
Quando novo, os olhos sempre eram
a primeira coisa que procurava ao conhecer alguém. Na verdade, os olhos sempre
eram a primeira coisa que os seus procuravam ao ver alguém. Seus pares
procurando por iguais, por gêmeos, por sua contraparte. Ávidos, ansiosos,
esquadrinhavam face acima, testa abaixo, procurando os pontos onde se fixar.
Nunca demais lembrar que detestava óculos escuros. Não os odiava, apenas os
detestava. Na verdade, fato era que não podia odiar a nada. E nem a ninguém.
Sempre ria ao lembrar-se do
episódio em que fora apresentado a uma atraente garota, que usava um detestável
Ray-ban gigantesco. Cobria-lhe metade do rosto, antipatia quase que instantânea.
Além de cobrir os olhos, também cobria metade do belo rosto de porcelana. Cara
amarrada, sorriso falso, grunhido de bom dia. Era-lhe cada vez mais difícil
praticar a arte da boa vizinhança. Seu amigo em comum, um incomum bancário
filho de banqueiro, apenas sorria. Conhecia-o bem, conhecia-lhe as manias
também. E, a bem da verdade, deveria ter tido a gentileza de avisar que por
trás daquelas lentes fumê estava um olho recém operado, coberto de gaze e
esparadrapo. Um par SEM um par. Quando descortinados os dela, os dele ficaram
perdidos procurando, procurando. No futuro, muitas e muitas versões da mesma
história seriam contadas para divertimento alheio.
Desde criança, nunca fora um
garoto muito comum. Tímido, extrovertido, com boas notas mas pouco amigo dos
livros pedagógicos. Brincalhão, sempre interagindo com todos, mas sempre de
fato se aprofundando com ninguém. Tinha vergonha de falar em público, e no
entanto sempre questionava professores e diretora. Passou a infância em brancas
nuvens, como quem passa por um feliz sonho juvenil.
- “Continue, por favor. Apenas
feche os olhos e deixe seus dedos trabalharem, deixe que eles me contem suas
histórias”.
Algo estranho. Algo incomoda.
Parece que o mundo está vermelho... a consciência demora a chegar. Antes que
seu cérebro processe, percebe que ainda está de olhos fechados. Os dedos.
Apalpa o rosto, pálpebras fechadas. Sensação de perda, de queimação. O Sol! O
Sol já está no céu, o Sol já está alto! Grande, imponente, insuportavelmente...
claro! Dia? Mês? Semana? A vida seguiu e
o seu mundo, enfim, girou.
Desde sempre, desde que se
entendia como pessoa, nunca fora de namoros. Nunca fora de rolos, de
relacionamentos, fossem eles longos ou não. Um misto de timidez e medo,
conformismo e... conformismo. Isso no mundo real. No seu mundo interior, em seu
mundinho, tinha as mais loucas e inebriantes paixões. Amores possíveis,
casamentos, filhos, netos. Vidas e mais vidas, todas intensamente vividas.
Todas vividas dia após dia, até o fim dos seus dias. Vidas com a duração de um
pré-sono, de uma viagem, de uma boa caminhada.
Viver apaixonado, viver
inspirado. Poesias, poemas, músicas românticas, flores. Doces palavras, gentis
atitudes, cavalheirescas aventuras. Vivia sempre apaixonado, sempre com uma
musa em seu pensamento.
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