terça-feira, 30 de outubro de 2012

Olhos

(Porque meus dedos começaram e não terminaram, vou deixar aqui descansando e reler depois. Quem sabe consigo terminar?)


Olhos. Sempre os olhos. Olhos, olhar. Olhos em sua forma, olhos em sua expressão. A primeira coisa que lhe chamava a atenção nas outras pessoas eram os olhos. Não só pela cor, não só pelo formato. Não apenas pelo brilho ou não-brilho. Por isso odiava óculos escuros.


Através dos olhos é que o mundo lhe invadia a vida. O mundo exterior, assustador, envolvente, frio. Acordava sempre antes do Sol, não importava o dia do mês ou da semana. Dormia menos, é lógico, durante os longos e tenebrosos verões. Como um vampiro às avessas, só que diferente. Durante o horário de verão era pior, pois ainda não havia encontrado o botão para regular seu relógio interno.

Quando novo, os olhos sempre eram a primeira coisa que procurava ao conhecer alguém. Na verdade, os olhos sempre eram a primeira coisa que os seus procuravam ao ver alguém. Seus pares procurando por iguais, por gêmeos, por sua contraparte. Ávidos, ansiosos, esquadrinhavam face acima, testa abaixo, procurando os pontos onde se fixar. Nunca demais lembrar que detestava óculos escuros. Não os odiava, apenas os detestava. Na verdade, fato era que não podia odiar a nada. E nem a ninguém.

Sempre ria ao lembrar-se do episódio em que fora apresentado a uma atraente garota, que usava um detestável Ray-ban gigantesco. Cobria-lhe metade do rosto, antipatia quase que instantânea. Além de cobrir os olhos, também cobria metade do belo rosto de porcelana. Cara amarrada, sorriso falso, grunhido de bom dia. Era-lhe cada vez mais difícil praticar a arte da boa vizinhança. Seu amigo em comum, um incomum bancário filho de banqueiro, apenas sorria. Conhecia-o bem, conhecia-lhe as manias também. E, a bem da verdade, deveria ter tido a gentileza de avisar que por trás daquelas lentes fumê estava um olho recém operado, coberto de gaze e esparadrapo. Um par SEM um par. Quando descortinados os dela, os dele ficaram perdidos procurando, procurando. No futuro, muitas e muitas versões da mesma história seriam contadas para divertimento alheio.

Desde criança, nunca fora um garoto muito comum. Tímido, extrovertido, com boas notas mas pouco amigo dos livros pedagógicos. Brincalhão, sempre interagindo com todos, mas sempre de fato se aprofundando com ninguém. Tinha vergonha de falar em público, e no entanto sempre questionava professores e diretora. Passou a infância em brancas nuvens, como quem passa por um feliz sonho juvenil.

- “Continue, por favor. Apenas feche os olhos e deixe seus dedos trabalharem, deixe que eles me contem suas histórias”.



Algo estranho. Algo incomoda. Parece que o mundo está vermelho... a consciência demora a chegar. Antes que seu cérebro processe, percebe que ainda está de olhos fechados. Os dedos. Apalpa o rosto, pálpebras fechadas. Sensação de perda, de queimação. O Sol! O Sol já está no céu, o Sol já está alto! Grande, imponente, insuportavelmente... claro! Dia? Mês? Semana?  A vida seguiu e o seu mundo, enfim, girou.

Desde sempre, desde que se entendia como pessoa, nunca fora de namoros. Nunca fora de rolos, de relacionamentos, fossem eles longos ou não. Um misto de timidez e medo, conformismo e... conformismo. Isso no mundo real. No seu mundo interior, em seu mundinho, tinha as mais loucas e inebriantes paixões. Amores possíveis, casamentos, filhos, netos. Vidas e mais vidas, todas intensamente vividas. Todas vividas dia após dia, até o fim dos seus dias. Vidas com a duração de um pré-sono, de uma viagem, de uma boa caminhada.

Viver apaixonado, viver inspirado. Poesias, poemas, músicas românticas, flores. Doces palavras, gentis atitudes, cavalheirescas aventuras. Vivia sempre apaixonado, sempre com uma musa em seu pensamento.

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