(post de Maio/2011)
(Esse texto não tem música. É um texto longo, então já aviso a quem for ler que tome um bom fôlego antes de começar. E ainda não tem propriamente um final, embora tudo esteja se encaminhando para um final feliz.)
(Esse texto não tem música. É um texto longo, então já aviso a quem for ler que tome um bom fôlego antes de começar. E ainda não tem propriamente um final, embora tudo esteja se encaminhando para um final feliz.)
Celular vibrando. Ainda tonto de sono, estico o braço e vejo quem está ligando: Fabiana, a mãe da minha princesinha. Olho a hora: duas e vinte da manhã. Puts, meu coração gelou. “Alo? Fred? Estou aqui no pronto socorro da Santa Casa...”
Fui dormir depois da uma da manhã. Isso depois de ter passado o dia correndo e brincando no aniversário da Carol. Estava literalmente exausto, pregado, morto. Mas aquelas palavras, ditas naquele tom e naquela hora da madrugada, me fizeram despertar imediatamente. Antes que me desse conta, já estava dentro do carro voando rumo ao hospital.
Dia primeiro de Maio foi o aniversário da minha filha. Sim, nasceu no dia do trabalho exatamente pra me dar trabalho. Um trabalho gratificante, emocionante e edificante. O melhor trabalho que poderia pedir na minha vida. E com a recompensa mais gostosa que poderia imaginar. Um doce sorriso, geralmente acompanhado de uma risada gostosa e contagiante. E um “eu te amo pai”.
Noite fria, vento gelado. Madrugada morta de uma segunda feira. Cidade vazia, semáforos todos em amarelo piscante. E eu, de bermuda, tênis, camiseta e casaco, voando rumo ao hospital. Repassando em minha mente os acontecimentos do dia. E me maldizendo por não ter acreditado em minha filha, por ter pensado que tudo não passava de simples manha. Tudo porque, uma semana antes, eu já tinha estado no mesmo hospital pelo mesmo motivo. Apenas o braço era outro. Maldita mania minha de querer achar que sei de tudo.
Primeiro de Maio. Dia de festa. Brinquedos, crianças, cachorro quente, bexigas, refrigerantes, sucos, doces, bagunça e gritaria. E muita, muita algazarra. Típica festa de aniversário infantil. Com direito à disputa pela piscina de bolinha e pelo pula-pula (cama elástica).
“Pai, quero ir no pula-pula”. E lá vamos nós. Carol pulando, segurando minhas mãos e cantando. “A dona aranha subiu pela parede, veio a chuva forte e a derrubou”. Uma, duas, três, dez, quinze vezes. Pulando e cantando, e dando gritinhos de alegria. “A dona aranha subiu..., A dona aranha subiu pela parede..., A dona Aran...” e de repente, ao invés de cantar, um gritinho. E, ao invés de risinhos de felicidade, um choro rasgado. “Meu braço, meu braço tá doendo!”. “Pai, torci meu braço”. Pega no colo e entra correndo pra dentro de casa, direto pro quarto da mãe. Carol chorando, mãe à flor da pele, casa cheia de convidados, bagunça generalizada. Meia hora se passa e nada da dor melhorar. “Bem, vamos cantar parabéns e terminar a festa”. Carol no colo, ainda chorando. “Parabéns pra você...” e nada do choro parar.
Final de festa. Os convidados já foram embora, apenas os de casa ficam pra ajudar a arrumar a bagunça. E a Carol ainda deitada na cama, reclamando de dor no braço. O episódio da semana anterior passando na minha mente incessantemente. Só o braço era diferente. Na semana anterior o problema era no esquerdo. Nesta, o problema era no direito. Por fim todos vão embora, eu inclusive. Sinceramente achei que fosse apenas uma pequena torção, no máximo.
Uma hora esperando o tal do raio X. Uma hora embalando minha princesinha no colo, cantando canções de ninar e tentando fazer com que ela dormisse um pouco. Cinco pessoas na nossa frente. Parecia que a noite ia ser muuuuuuuito longa mesmo...
Algumas horas de espera (ou seriam várias?). Enfim chega a nossa hora de entrar na sala. Mais choro (afinal estávamos mexendo no braço que doía), três chapas tiradas. Dez minutos e o técnico nos chama e nos mostra uma pequena fratura no antebraço, perto do cotovelo. “É”, penso comigo mesmo, “ela estava mesmo com o braço quebrado e eu pensando que era apenas manha...”. Pego as chapas e levo até o ortopedista de plantão. Um jovem médico, na casa dos trinta e cinco anos, com um ar cansado. Também pudera, os corredores estão cheios de pacientes esperando para serem operados. Alguns com fratura exposta, aguardando em macas no corredor desde o início do dia.
“Sua filha está com uma fratura no braço”, nos informa. “Mas acho que vocês deveriam procurar um especialista. Ela está com um pequeno desvio aqui no osso, e talvez seja preciso operar. Talvez tenhamos que abrir para colocar um pino”. Ditas assim, sem rodeios e sem preparação de qualquer tipo, quase me derrubaram. Comigo foi quase, já com a mãe da Carol não foi mais quase, foi como um golpe certeiro. E pra fechar com chave de ouro “só não falo em operar agora porque temos DEZOITO pacientes esperando na fila...”
Um dia li em uma revista que jovens médicos estavam tendo treinamento com atores para simular situações delicadas. Para aprenderem a lidar com as pessoas, para tentar humanizar não a medicina, mas os médicos. Esse curso serviria para que aprendessem a falar com os pacientes e com os parentes dos pacientes. Ensinaría-lhes a ter mais “tato”.
Final da noite, ou melhor, início da manhã. Carol chorando menos, braço engessado. Levo as duas até a farmácia para comprar o remédio para dor. De lá elas vão pra casa delas, e eu de volta ao meu cafofo. Olho no relógio: cinco e trinta e cinco. O sol já está nascendo e o sono, que deveria me derrubar, ainda reluta em aparecer. Deito na cama pensativo e tento dormir. Durmo um sono sem sonhos, nem um pouco relaxante. Não sou de ficar impressionado, e de certa forma SEI que tudo vai dar certo. No entanto algo me incomoda e me faz abrir os olhos as seis e trinta.
Sete da manhã. Banho tomado, barriga forrada com água gelada (um belo café da manhã). Lá vou eu de novo rumo ao hospital. Preciso pegar as chapas para poder levar a algum especialista que ainda nem sabia onde encontrar. E também precisava pedir a nova carteirinha da Carol, uma vez que a antiga tinha vencido e o nosso plano de saúde não tinha me mandado uma outra. No hospital sou muito bem atendido, só que tive que esperar umas duas horas para conseguir o tal “laudo” do técnico. Um “enorme e gigantesco” laudo, dizendo algo como “fratura constatada na região não sei qual do braço direto”. Ah, como adoro a burrocracia.
Chapa e laudo na mão, ligo para uma amiga minha que é médica pedindo que me indique algum ortopedista. Ligo para o ortopedista e sou avisado que o próximo horário vago seria apenas dali a duas semanas. Nessa hora me lembro das palavras do plantonista, e do aviso que ele nos deu, deixando bem claro que deveríamos procurar um especialista o quanto antes. Sob pena de minha princesinha ficar com seqüelas no braço para sempre. Argumento com a recepcionista, peço, digo que pago a consulta particular. BINGO! Uma paciente acabara de desmarcar e o horário das dez da manhã estava vago. Olho no relógio. Nove e quarenta. Ligo para a Fabiana e peço que traga a Carol. Ligo para o consultório e peço que me dêem dez minutos de tolerância.
Chego no consultório do ortopedista e traumatologista. Entrego as chapas e aguardo que elas cheguem. Como seria consulta particular, nem me preocupei mais com a carteirinha do plano de saúde.
Dez horas. Nada delas chegarem. Telefono e quem atende é a mãe da Fabiana. “Estamos a caminho”. Dez e dez. Ligo de novo. “Estamos chegando”. Indico a rua onde deveriam virar e continuo aguardando. Dez e vinte. Impaciente, vou até a rua para ver se consigo vê-las chegando. Telefono de novo. “Já viramos na rua, mas não estou vendo”. “Não senhora”, retruco, “eu estou aqui fora e não vi vocês virando a esquina. Vocês estão na rua errada!”. Ó céus, como faz falta um GPS nessas horas... Dez e trinta e cinco. Desisto. Telefono de novo, já um pouco puto da cara. “Estamos aqui na frente do hospital”. “Não desligue o celular, vou até aí à pé buscar vocês”. Chegamos de volta ao consultório às dez e quarenta e cinco. O paciente das dez e meia já tinha entrado, então teríamos que esperar mais um pouco. Por sorte a Carol estava bem melhor. Fiquei sentado com ela olhando revistas e procurando “mapas”.
Entramos. Carol deitada na maca, os três de pé conversando. Explico como foi, o que aconteceu. Fabiana diz o que fez depois, que remédios deu. O que a Carol sentia. Testes nos braços, nas mãos, nos dedos. Tudo parecia bem. Então nos sentamos à mesa para ouvir a opinião sobre os raio X.
Ao que tudo indicava, o braço estava mesmo quebrado perto do cotovelo. Havia um risco de o osso ter saído um pouco do lugar, então a hipótese da cirurgia não estava ainda descartada. Infelizmente as chapas tiradas no hospital não eram conclusivas, tinham sido um pouco mal tiradas. Do ângulo em que se encontravam não se poderia ter certeza. E sem essa certeza não seria possível fazer o diagnóstico correto. E sem o diagnóstico correto havia o risco de o braço da Carol crescer torto. Solução? Refazer os raio X, todos. Mas com cuidado para não deslocar ainda mais o braço.
Carol aos prantos. Fabiana aos prantos. Mãe da Fabiana ligeiramente transtornada. E lá fomos nós para a clínica fazer novos exames. Para refazer os raio X teriam que remover o gesso recém colocado no bracinho da Carol. E para tirar as chapas de maneira correta, teriam que mexer um pouco exatamente onde doía.
Tirar o gesso. Choro. Levar para a sala de raio X. Mais choro. Posicionar o braço. Gritos, lágrimas e pedidos doloridos para ir pra casa. Enfim, parecia que tudo estava se encaminhando. Enquanto colocavam de novo a tala de gesso no braço da Carol, a recepcionista me chama de lado. Problemas com a numeração da carteirinha dela. Sim, a carteirinha estava vencida. Só que eu tinha ligado cedo no escritório do plano de saúde e eles tinham me passado o número. E eu tinha decorado.
Dez minutos e pronto, os novos raio X estavam à disposição. Agora era só esperar o horário do almoço acabar e ir até o consultório do médico ouvir as notícias. As mulheres foram pra casa e eu fiquei esperando. Abri o envelope e dei uma olhada nas chapas. Não entendi nada. Olhei, olhei, olhei. E não vi absolutamente nada. Nada mesmo. Nem consegui distinguir a fratura no braço. Que dirá do tal possível “desvio” nos ossos.
E lá fui eu, sozinho de novo, morrendo de sono (ainda) esperar o médico voltar do almoço e torcer para ter uns minutos de encaixe. Em minha cansada mente eu tentava evitar que pensamentos sobre cirurgia, pino, seqüelas me perturbassem. Peguei uma revista, booooring. Tentei ver TV, booooring. Acabei ligando o MSN do celular e aproveitei pra conversar com amigos. Isso me manteve ocupado, pelo menos até que ele travou.
“O doutor já está na sala, pode entrar”.
Um quadro com luzes brancas e um pedaço de plástico de aparência leitosa. Bem melhor do que o vidro do carro, tentando olhar contra o Sol. E eu de volta ao consultório, dessa vez sozinho. Esperando, aguardando. Cirurgia? Já estava até procurando um outro médico pra ter uma segunda opinião. E de preferência um que atendesse ao meu plano de saúde.
Observo atentamente enquanto o médico examina as chapas. Ele as coloca no quadro, olha uma por uma. Compara as do braço esquerdo com as do braço direito, volta para a de perfil, olha de novo. Examina atenta e cuidadosamente todas elas. Seu rosto permanece impassível. A mim parece o de uma esfinge egípcia, guardando um segredo que não consigo visualizar. Talvez minha capacidade de análise estivesse meio prejudicada naquela hora.
Chamando minha atenção, ele me diz que o braço apresenta um pequeno desvio para trás. Me mostra os exames, coloca o do braço direito junto ao do braço esquerdo de forma que eu consiga comparar. Confesso que não enxergo nada, não consigo nem ao menos ver a fratura. Utilizando-se de um lápis ele me mostra umas pequenas e finas linhas que aparecem no osso. Vejo que apenas o braço direito tem essas linhas e compreendo que se trata da fratura. Mas ainda não consigo visualizar o tal desvio. Pacientemente ele tenta me mostrar, mas de fato não enxergo nada.
Nessa hora me vieram à mente os acontecimentos de anos atrás, quando eu fui atropelado e tive as duas pernas engessadas. Lembro-me que o médico queria operar meu joelho esquerdo, mas meu pai não deixou. Não deixou não porque não acreditasse, mas sim porque apenas estava desconfiado. Como fazer para confiar em um hospital que tinha engessado a perna errada, me deixando com dores durante uma noite inteira? Por fim deu tudo certo, foram três meses de gesso sem a necessidade de cirurgia no joelho.
“Bem”, por fim me diz, “o desvio é bem pequeno e não é lateral. Então acho que não precisaremos operar”. Por se tratar de algo bem simples, pelo fato do desvio ser para trás e não ser significativo, ele decidiu que o melhor era manter o acompanhamento. Durante uma primeira semana ela ficaria com a tala de gesso e o braço enfaixado. Depois eles iriam engessar o braço inteiro, e em mais três semanas ela estará nova em folha.
Por fim, tudo ia acabar bem. Sem cirurgia, sem seqüelas, sem braço torto. Seguindo a recomendação do médico, fui a uma loja e comprei uma tipóia tipo americana. Comprei uma bem pequena, afinal minha princesinha ainda é miudinha. Ainda bem que tinha bichinhos desenhados, assim ela até gostou do “presente”. Esse presente sim, bem melhor do que o braço quebrado que ela ganhou bem na noite do seu aniversário.
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