terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Almoço (em Sampa)

http://www.youtube.com/watch?v=odTsQ2dOuTE
("O poeta está vivo" - Frejat)



(Mais um texto que recuperei do antigo blog. Um retrato de um dia em Sampa.)




Almoço na rua. Sanduba, salgadinhos, massa italiana, comida japonesa, pratos chineses. Uma variedade de cores e sabores, uma infinidade de restaurantes a escolher. E acabei parando em um boteco, um bar no melhor conceito da palavra. Comer PF em bar, saudades do tempo de cursinho. Um PF com pimenta e refri. Simples, barato e algo que adoro.

É, acho que estou meio sensível. Se vejo um filme, me emociono. Se leio um livro, me emociono. Não sei, mas acho que ando com os nervos à flor da pele. E hoje tive mais uma mostra disso. Enquanto eu almoçava eis que entra no bar um senhor bem simples, acompanhado de uma senhora um pouco idosa e de uma menina com uma mochila. Noto que ele carrega uma caixa de engraxate. E noto que ele está meio desconfortável, como alguém fora do seu ambiente, um peixe fora dágua.

Tímido, ele entra, olha ao redor. O garçom vem e os conduz a uma mesa no canto, pouca coisa à frente da minha própria. E passo a observá-los disfarçadamente. Ele, o senhor, não se senta. Arruma cuidadosamente o prato da menina e da senhora, certifica-se que estão as duas bem acomodadas, mas permanece de pé. E assim fica até o garçom trazer o prato. Um prato com arroz, feijão e carne de panela. E um prato com salada. Desajeitadamente eu o vejo servir as duas, dividindo a comida do prato entre as duas. Arroz, feijão, carne. Salada. E as incita a comer, como que apressando-as, como que querendo sair logo daquele local. Observo enquanto ele as olha comerem.

“Garçom, é apenas um prato para os três?” pergunto. Diante da resposta afirmativa, peço a ele que forneça mais um prato de comida a eles. “Ele é vegetariano, não quer carne” me explica o garçom, algo sarrista. “Então, por favor, pelo menos sirva a eles um refrigerante”. Percebo um certo desconforto na família quando o refrigerante é servido. E recebo um envergonhado acenar de mãos e abaixar de cabeça em sinal de agradecimento. “Mas o senhor não vai comer nada? Nem um prato de comida?”. “B-B-B-Batat-t-t-tinhas. Se eu puder, gostaria de b-b-b-b-b-batat-t-t-t-tinhas. E um ovo”. Olhar baixo, voz mais ainda, gaguejando, completamente sem jeito. Chamo o garçom, que parece ter desaparecido do salão, e peço que lhe forneça as batatinhas com ovo. Não tenho certeza, mas acho que notei um certo ar de recriminação vindo do garçom.

Evito ficar olhando diretamente para eles enquanto comem, mas não resisto e os observo com o canto do olho. Quando chegam as batatinhas, apenas um pequeno prato, acompanhado pelo ovo, percebo um brilho no olhar dos três. E, mais uma vez, um aceno e um abaixar de cabeça envergonhado. Só então o senhor resolve sentar-se para comer. E comem com gosto, e bebem com ainda mais gosto. Termino minha refeição e me levanto. Percebo, de novo pelo canto do olho, que o garçom chega com mais uma travessa de batatinhas. Ante o meu olhar espantado, me diz meio envergonhado “pedi pra mandarem mais, o outro prato foi muito pequeno.”


Enquanto pago, decido fazer mais um agrado. Compro um chocolate (chokito) e levo até a menina. O senhor se levanta, me agradece milhares de vezes “deus lhe pague, deus lhe pague. Como é que se fala filha? Diga ao moço". Saio do bar após receber agradecimentos tão gostosos, acompanhados por um sorriso tão radiante que parece que iluminou o meu dia.

Não costumo fazer essas coisas. Dificilmente dou dinheiro na rua, quase nunca pago nada pra nenhum pedinte. Mas essa família me pareceu diferente. Ele não tinha jeito de malandro, nem de bebum. Estava mais preocupado em alimentar as mulheres do que em se alimentar. E tinha um ar esperançoso, e um jeito de trabalhador cansado, mas orgulhoso. Ele e sua caixa de engraxar sapatos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário